Conforme o prometido, compartilho com os amigos um resumo da palestra sobre a “aura tática” do Inter, realizada semana passada em parceria com a escola Perestroika e o movimento Convergência Colorada. Assim como no post do Grêmio, vale a ressalva sobre os vídeos: na palestra a análise era “ao vivo”, portanto eu falava sobre as imagens…aqui elas estão com o áudio original das narrações, cortadas à mão. Mas, ainda assim, vale o registro para quem assistiu e quer recordar, e também para quem não foi à palestra.
A “aura” de um clube é o padrão de comportamento que unifica suas equipes vencedoras. E no Inter este paralelo é muito claro. O Inter vencedor sempre foi PROPOSITIVO, com variedade de jogadores com alta qualidade técnica mesmo nas posições defensivas, volantes com saída ofensiva e ingresso na área, meias pensadores, laterais apoiadores e atacantes de vitória pessoal. Na minha percepção, este é o Inter vencedor: uma equipe voltada ao controle da posse de bola, às trocas de passe, às infiltrações e à insistência ofensiva. Uma equipe, enfim, que se IMPÕE tecnicamente sobre o adversário.
Anos 70
Reunimos os títulos brasileiros em um assunto integrado pela carência de boas imagens táticas da época. O vídeo separa lances que mostram a vocação ofensiva, primeiro da equipe de Rubens Minelli no 4-3-3 (em 75 e 76), e depois no 4-4-2 de Ênio Andrade em 1979. Falcão, na teoria o “camisa 8” (como é conhecido o segundo volante à brasileira, pois sei que ele jogava com a 5) concluía de dentro da área a todo momento. Primeiro Carpeggiani, depois Mário Sérgio, eram os pensadores, e a vitória pessoal partia dos pontas – muitas vezes auxiliados pelo apoio dos laterais, principalmente em 79:
Campinhos pela ordem cronológica



2005 – Brasileirão
No ano da estrela roubada, Muricy Ramalho distribuiu o Inter no 4-4-2 com dois volantes e dois meias, bem brasileiro. Na prática, entretanto, esta equipe apresentava uma variação do quadrado para o losango, com Gavillán centralizado, Perdigão e Tinga pelos lados, e Ricardinho na articulação. Os laterais, Granja e Alex, eram apoiadores, e Fernandão recuava para ajudar na criação, enquanto Sobis era o homem da vitória pessoal. O vídeo mostra lances de compactação (equipe estreita) e de trocas de passe qualificadas:
Campinho e frames do jogo



2006 – Libertadores
Abel Braga utilizou mais de um sistema tático, incluindo nas finais o 3-5-2 – primeiro com a lesão de Tinga, depois com a suspensão de Fabinho. Mas a base partia do 4-4-2 brasileiro, vocacionado à aura colorada: meias pensadores, laterais apoiadores, atacantes de vitória pessoal, posse de bola agressiva…faltavam apenas volantes com maior participação na posse. O vídeo separa trechos deste padrão de comportamento observados na vitória de 2 a 0 sobre a LDU, nas quartas-de-final:
Campinho e frame do jogo


2006 – Mundial
Contra o Barcelona, Abel Braga aplicou a exceção à regra. Diante das circunstâncias especiais da partida, abdicou do natural protagonismo ofensivo irradiado pela história do clube para jogar sem a bola. Taticamente, escolheu o 4-4-2 losango – que permaneceria com ele em 2007 – e apostou no trio ofensivo Pato-Iarley-Fernandão para contra-atacar. Deu muito certo. No vídeo, momentos de compactação defensiva no losango, e de posse de bola ofensiva:
Campinho e frame do jogo


2008 – Sul-Americana
Tite recorreu a um 4-4-2 losango sem precedentes de qualidade na história recente do Inter. Magrão e Guiñazu de carrilleros, sendo os volantes que agridem com a bola; ao menos um lateral apoiador; D’Alessandro como o meia cerebral; e dois atacantes de vitória pessoal. Era um Inter com cara de Inter. O vídeo mostra lances que comprovam a qualidade tática e técnica daquele grupo com a vitória na Bombonera sobre o Boca Juniors:
Campinho e frame do jogo


2010 – Libertadores
Jorge Fossati caiu apesar dos bons números porque contrariava não apenas a aura do clube, mas a virtude do elenco. O Inter de 2010 contava com jogadores de altíssima qualidade técnica. Mas o treinador uruguaio os deixava de fora em nome de um incompreensível 3-6-1 sem posse nem linhas de passe. Celso Roth chegou e de cara entendeu o que precisava fazer: transformar um elenco de qualidade em um time de qualidade. Acertou em cheio no 4-2-3-1 fiel à tradição propositiva do Inter: laterais apoiadores, volantes de presença ofensiva, meias inteligentes, um jogador ao menos de vitória pessoal no ataque…uma belíssima equipe. O vídeo tem lances da vitória de 2 a 1 sobre o Chivas fora de casa, na decisão:
Campinho e frame do jogo


2011 – Dorival Júnior
Minha ideia sobre clubes com “auras táticas” – padrões de comportamento vitoriosos – é que eles valorizem estas raízes desde a concepção dos profissionais. A diretoria deve procurar atletas e treinador com virtudes semelhantes às encontradas na história de suas melhores esquadras. E o Inter fez isso ao contratar Dorival Júnior: um técnico de vocação ofensiva, que privilegia jogadores técnicos e agressivos, confiando na posse de bola como a melhor maneira de combater o adversário. Notem neste curto trecho da partida contra o Avaí que o 4-2-3-1 de Dorival transforma-se em um 4-2-4. Sempre quem recebe a bola conta com quatro opções de passe à frente da linha. Isso facilita a tomada de decisão pelo jogador, que identifica a melhor alternativa e passa para um, enquanto os outros três abrem espaços e desorganizam a defesa:
Campinho e frame do jogo


2012 – perspectivas
Infelizmente para os colorados, Dorival Júnior por três vezes já endossou meu conceito sobre a aura colorada. Todas as vezes que ele contrariou a vocação ofensiva do clube, dele e do grupo de jogadores, foi mal – nas derrotas para Grêmio e Inter, e no empate fora de casa com o The Strongest. Basta ele tomar alguma decisão taticamente defensiva que o time vai mal. Quando ele pensa com fidelidade aos princípios dele e do Inter, o desempenho melhora, como é possível ver nos lances da goleada sobre o The Strongest no Beira-Rio: quem está com a bola sempre conta com muitas alternativas de passe à frente, seja dos laterais, dos meias, do atacante ou até dos volantes. Um massacre:
Campinho e frame do jogo


Apesar das recaídas defensivas de Dorival Júnior, o Inter aparenta estar no caminho certo. Não à toa as categorias de base coloradas sempre revelam atacantes incisivos – como Daniel Carvalho, Nilmar, Pato, Sobis, Taison…porque esta é a virtude, a identidade, a aura do clube: ser agressivo, propor jogo, controlar a posse, compactar-se para formar linhas de passe. É o Inter que mais agrada aos torcedores. A perspectiva é boa porque, de forma consciente ou inconsciente, o elenco e a comissão técnica têm as virtudes exigidas pelos colorados: há laterais apoiadores, volantes que se apresentam, meias pensadores, atacantes de vitória pessoal, um camisa 9 artilheiro e um treinador que gosta de agredir com a bola.
Este é o resumo da palestra que foi, na semana de encerramento da minha carreira de 13 anos no jornalismo, o maior reconhecimento ao meu trabalho. Quem estava lá me julgou pelo conteúdo, pelo meu trabalho, não pelas minhas escolhas pessoais. Sinal de que fui um profissional, no sentido literal da palavra, enquanto estive com a caneta nas mãos.